Positividade Tóxica
Felizmente, há conceitos que vão surgindo com o tempo que vêm dar uma nova luz a comportamentos e atitudes menos correctos sobre os quais nunca pensámos antes, e positividade tóxica é um deles.
Há uns dias vi um tweet que dizia algo do género "em 2020 aprendi que trauma só serve para traumatizar, não há lição de vida para tirar" e isto fez-me pensar, em primeiro lugar, porque me identifiquei bastante com ele. Há dois/três anos passei por um trauma muito grande na minha vida que continua a afectar-me, de algumas formas, nos dias de hoje. Houve uma altura em que cheguei a invejar, de certa forma, pessoas que tinham passado por experiências mais ou menos semelhantes à minha e as viam como uma bênção, porque aprenderam algo dali. Cheguei a pensar "o que raio há de errado comigo para passar por algo tão grande e não conseguir retirar coisas boas daí?". E a resposta é: nada. Não há nada de errado comigo.
Não querendo de todo retirar mérito a quem consegue tornar um grande mal em algum bem, a verdade é que a pressão que sentimos para isso é ridícula. Parece que temos de nos sentir agradecidos por termos passado por algo horrível, o que não faz sentido nenhum. Continuo até hoje a desejar nunca ter passado por tal coisa, não importa os ensinamentos que me trouxe. Pensar desta forma implica desvalorizar totalmente a experiência da pessoa traumatizada e mandar todo o seu sofrimento às favas para dar lugar a um positivismo que não tem e nem sempre deve existir. Uma coisa má é uma coisa má.
Posso ainda ilustrar isto com uma mensagem passada pela Clara Não há umas semanas: a pandemia não foi uma coisa boa. A pandemia pode ter trazido consequências positivas a algumas pessoas, mas isso não a torna numa coisa boa.
Temos de parar de achar que tudo na vida tem de ter algo de positivo por trás, e que até as más experiências poderão ser boas. Não, más experiências são só isso mesmo: más experiências. E por mais lições que possam, ou não, dar-nos, não deixam de ser más experiências e, à partida, coisas que desejaríamos nunca ter vivido. Precisamos de parar de diminuir experiências desagradáveis e precisamos de parar de fazer as vítimas sentirem que não podem sofrer, ou que o seu sofrimento não tem valor porque vai necessariamente dar lugar a algo de bom. A vida não funciona assim, e perdoem-me a linguagem, mas às vezes a merda é só mesmo merda.